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Edson Nery da Fonseca - O eterno Mestre

"Eu não tenho sequer pós-graduação, não tenho mestrado, doutorado, tenho apenas um bacharelado em uma ciência que ninguém leva a sério chamada Biblioteconomia."

Biblioteconomia Social

"A interação entre a técnica e o social me fez conceber o que intitulo de Biblioteconomia Social..."

Shiyali Ramamrita Ranganathan

"A informação necessita encontrar todos os leitores e todos os leitores devem encontrar as informações."

Jean Piaget

"O ser humano é ativo na construção de seu conhecimento e não uma massa 'disforme' a ser moldada pelo professor."

Michel Foucault

"A prisão do jeito que é hoje, é inócua porque “se eu traí meu País, sou preso; se matei meu pai, sou preso; todos os delitos imagináveis são punidos de maneira mais uniforme. Tenho a impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo remédio. E um remédio que não cura!”.

25 de jul. de 2017

Carta a um Jovem Preso

Caro Luís: suas palavras me emocionam pela força e ousadia. Como um grito no meio da noite. Carta luminosa, escrita com tinta azul, mais ordenada que a caligrafia de seu destinatário. Dividimos a mesma terra, o mesmo céu e a mesma lei. A infância que vivemos nos aproxima um do outro. Irmãos de um tempo sensível, aberto para um mundo indiviso.

Você me lembra um amigo que, dentro do cárcere, e no início do século, também me escreveu, leitor voraz. A essa altura terá deixado a prisão, assim como você vai cumprir a pena, antes dos trinta anos de idade. 

A biblioteca prisional é a descoberta de um novo continente, onde literatura e liberdade coincidem.

Concordo: a literatura abre todas as celas, que são muitas e sutis, quando não invisíveis, dentro das quais vivemos, todos, sem exceção, mais ou menos conscientes da liberdade que precisamos conquistar. Não diminuo, apesar disso, um milímetro de sua dor e inquietação. A sua história acusa a ausência do Estado e o caminho áspero e solitário que o levou ao cárcere. Somos todos culpados, em certo grau, sem exceção, embora o artigo e a pena recaiam sobre o indivíduo. E aqui também nos solidarizamos um com o outro.

Você me impressionou ao falar de Crime e castigo:

Dostoievski continua vivo nas bibliotecas prisionais, requisitado desde o título, com uma visão aberta sobre as humanas vicissitudes. 

Volte ao ponto em que Raskólnikov abre o coração para Sônia. Com lágrimas nos olhos, ela promete acompanhá-lo até a prisão na Sibéria. Como a sua noiva, Luís, que não o abandonou, como reserva de esperança e antídoto contra o isolamento.


O cárcere é um índice de barbárie, com a lógica de uma privação excessiva, avalizada por um Estado ausente, no qual milhares de apenados aguardam, sem advogado, numa interminável de um injusto purgatório, o julgamento a que têm direito, como se fossem almas penadas e não cidadãos. Quem vai responder por uma espera infinita? Sou a favor do fim do cárcere, não somente através dos números sem rosto, das estatísticas, mas pelas visitas que faço a nossos presídios. É preciso enfatizar as penas alternativas, recorrendo ao isolamento somente em caso extremo.

O caminho passa pela mudança do sistema prisional num polo de educação integrada, com escolas e bibliotecas, construindo lá dentro o que não se fez aqui fora. Ler os livros para ler o mundo. Não se pode subestimar o papel da leitura e de sua força libertadora, a mesma que levará você, estou certo, a cursar a faculdade de Direito.

É preciso responder ao desafio de um Brasil mais fraterno. Imagino como queima o desejo de retomar as rédeas de sua própria vida, assumindo-se como sujeito do futuro. Como quem se liberta do passado e de cabeça erguida. Um colega de utopia, capaz de promover a justiça e o acesso aos mais elementares direitos do homem no sistema prisional. Caro Luís: aqui começa uma vida nova.  

Marco Lucchesi


Marco Lucchesi é um poeta, escritor, romancista, ensaísta e tradutor brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras (desde 2011) e também da Accademia Lucchese delle Scienze, Lettere e Arti, na Itália. É professor titular de Literatura Comparada da UFRJ, pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e foi professor visitante de diversas universidades da Europa, da Ásia e América Latina. É colunista do jornal O Globo e colaborador de diversos outros órgãos de imprensa no Brasil e no exterior. Foi editor da revista Poesia Sempre, atualmente é diretor da Revista Brasileira da ABL. 

Destacou-se na área de pesquisa e editoração da Biblioteca Nacional, foi responsável pela edição de catálogos, obras raras e fac-símiles. Foi curador de exposições da Biblioteca Nacional, como as que celebraram os cem anos da morte de dois escritores brasileiros: Machado de Assis, cem anos de uma cartografia inacabada (2008), e Uma poética do espaço brasileiro, sobre Euclides da Cunha (2009). Em 2010, foi o responsável pela grande exposição Biblioteca Nacional 200 anos: uma defesa do infinito. Graças ao seu amplo conhecimento de mais de 20 idiomas, ocidentais e extra ocidentais, destacam-se suas traduções das obras de Rûmî, Khliebnikov, Rilke e Vico. 

Recebeu diversos prêmios, dentre os quais destacam-se o Prêmio Alceu Amoroso Lima, pelo conjunto da obra poética (2008), o prêmio Marin Sorescu, na Romênia, e o Prêmio do Ministero dei Beni Culturali da Itália. Obteve por três vezes o Prêmio Jabuti.


Fonte:  O Globo, 07/06/2017