Você está aqui

Edson Nery da Fonseca - O eterno Mestre

"Eu não tenho sequer pós-graduação, não tenho mestrado, doutorado, tenho apenas um bacharelado em uma ciência que ninguém leva a sério chamada Biblioteconomia."

Biblioteconomia Social

"A interação entre a técnica e o social me fez conceber o que intitulo de Biblioteconomia Social..."

Shiyali Ramamrita Ranganathan

"A informação necessita encontrar todos os leitores e todos os leitores devem encontrar as informações."

Jean Piaget

"O ser humano é ativo na construção de seu conhecimento e não uma massa 'disforme' a ser moldada pelo professor."

Michel Foucault

"A prisão do jeito que é hoje, é inócua porque “se eu traí meu País, sou preso; se matei meu pai, sou preso; todos os delitos imagináveis são punidos de maneira mais uniforme. Tenho a impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo remédio. E um remédio que não cura!”.

23 de out. de 2017

Ex-presidiário ministra palestra ao lado de professor universitário no maior e mais importante congresso da área de Biblioteconomia

Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação – Itamar chega nervoso, pergunta se pode mesmo falar sobre sua história, da trajetória que o levou do submundo criminoso às salas de aula na condição de professor. Eu apenas disse a ele: “Seja você mesmo, esqueça a cientificidade e mostre que os livros atrás das grades podem sim fazer a diferença”

Itamar Xavier de Camargo
Ele começou sua fala e eu assumo, chorei copiosamente, afinal, em cada descrição de sua história, vinha à mente os tantos “Itamares” que temos nas prisões brasileiras, impossível não lembrar o meu trabalho a frente da biblioteca prisional e naquele palco pensar: “Sim, chegamos ao principal evento da Biblioteconomia, dos bibliotecários e das bibliotecas. Já não somos invisíveis ou negligenciados”.

O Itamar Xavier de Camargo dedica sua vida a fazer com que as pessoas tenham acesso à cultura, arte e informação. Ele, melhor do que ninguém sabe da importância que isso tem na vida de cada um, pois trilhou um árduo caminho, da infância pobre na periferia de São Paulo, passando pela violência, crime e depois o cárcere, até se tornar um semeador de livros e formar bibliotecas comunitárias em áreas carentes de Presidente Prudente. Sua trajetória de vida é um exemplo do poder de transformação pelo conhecimento e da determinação de um homem e sua luta na busca de sair de uma situação sem qualquer perspectiva de futuro. Quer saber mais sobre o Itamar? Leia seu livro “A Verdade que Liberta”


Professor Jonathas Carvalho
Logo após a emocionada fala de Itamar, tivemos o professor Jonathas Carvalho, do curso de biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri (UFCA), Mestre e Doutor em Ciência da Informação que há anos vem debatendo a questão da importância das Bibliotecas Prisionais e buscando inseri-las também dentro da formação do futuro bibliotecário. De acordo com o professor Jonathas:

“Mais do que uma ampliação de mercado, o reconhecimento da atuação pedagógica da Biblioteconomia em presídios é uma expressão altiva e ativa do trabalho social da área do conhecimento em questão”. 
Leia na íntegra um artigo completo do professor sobre o tema. 

Jonathas encerra sua palestra chamando a academia de Biblioteconomia para o engajamento desta pauta, ressaltando que as Bibliotecas Prisionais são tão bibliotecas quanto as bibliotecas escolares ou universitárias, por exemplo. Bem, pessoalmente sou suspeita para falar deste Mestre, uma vez usei inúmeras falas dele em vários de meus projetos de Biblioteconomia Social e em especial nas bibliotecas prisionais. Tê-lo junto do Itamar, criador e criação, foi realmente emoção que palavras não descrevem. 

Workshop

Workshop
Num segundo momento, aconteceu outra reflexão sobre o assunto, com a presença do Itamar e da Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais (CBBP), dentro do “Workshop” que discutia o papel das Bibliotecas Prisionais: utopia ou realidade dentro do cenário brasileiro? 

Com a participação de bibliotecários, professores e estudantes de Biblioteconomia. Deparamo-nos com relatos maravilhosos de pessoas engajadas em projetos dentro do sistema penal, bibliotecas e pesquisas, além da participação de profissionais de outras áreas, como foi o caso dos Assistentes Sociais e Pedagogos. Sabemos que não é utopia, no entanto, ainda longe de ser uma realidade nacional. 

Cleide Fernandes (SNBP/MG); Catia Lindemann (Presidente da CBBP);
Guilherme Relvas (DLLLB); Renata Costa (SNBP/RJ)
Assim, aos poucos, vamos ganhando força e formando parcerias para que, de fato, as unidades de informação no cárcere possam ser aplicabilidade e não tão somente lei no papel. Para tal, ainda no CBBD, realizamos diálogo e obtivemos o apoio do atual Diretor do Departamento de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) do Ministério da Cultura (MinC), Guilherme Relvas. Do mesmo modo aconteceu com o Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Rio de Janeiro, sob coordenação de Renata Costa, que já efetua projetos de remição da pena por meio da leitura nas penitenciárias do Estado do Rio e atua diretamente na supervisão das bibliotecas prisionais do RJ. Por fim e não menos valiosa, obtivemos outra ponte, desta vez no Estado de Minas Gerais. Trata-se da bibliotecária Cleide Fernandes, diretora do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas Municipais de MG.

Foi assim que as bibliotecas prisionais  ganharam espaço neste que é o principal evento da área de Biblioteconomia. Pela primeira vez na história, em décadas de realização, tivemos os livros na rotina intramuros das prisões como pauta de discussão. Em suma, comprovamos que 2017 foi literalmente o ano de “renascimento” das Bibliotecas Prisionais. Digo renascer porque em verdade elas já completaram 33 anos, mas apenas agora se tornaram visíveis e foco de atenção, tanto da academia quanto da sociedade – neste caso de modo mais módico e discreto. Mas seguimos nossa luta pelas Bibliotecas Prisionais, agora mais
fortalecidos, bradando que as mesmas não são assistencialismo, mas prerrogativa prevista em lei.

Carlos Wellington (CBBP/MA); Adriana Ferrari (Presidente da FEBAB);
Catia Lindemann (CBBP/RS)
Fica nossa gratidão a  Adriana Ferrari, presidente da Federação Brasileira das Associações de Bibliotecários (FEBAB), entidade que além de ser a responsável pelo CBBD, também montou a primeira Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais (CBBP), oportunizando representatividade para que estas pudessem verdadeiramente ter voz e inserção dentro da área de Biblioteconomia e no país como um todo. Agora é respirar e seguir em frente porque a luta continua. Inspiremo-nos!

13 de out. de 2017

Redução de Pena por Meio da Leitura e o Ensino Superior abrem nova perspectiva dentro do Sistema Prisional



             Projeto de educação transforma vida de reeducandos em Alagoas
FOTO: JORGE SANTOS/ASCOM

Quando eu vim preso, perdi tudo. Eu pensava só em como iria recomeçar, não tinha em mente como faria isso. A maneira que eu achei foi por meio da educação, porque quando a gente começa a estudar, começa a focar em algo, as ideias vão fluindo, vão vindo projetos e tudo mais, e você vai tendo uma visão do que vai fazer quando sair", conta o reeducando Cícero Júnior, de 34 anos.


Condenado por roubo a 20 anos de prisão, hoje Cícero é estudante do sexto período de administração. Aprendeu com os erros que cometeu e já faz planos ousados para mudar a sua história, pelas mãos da educação.


"Fui envolvido num assalto que aconteceu em 2009 e terminei parando aqui no sistema prisional por conhecer pessoas erradas. É como eu sempre digo, errar é humano, o errado é continuar no erro, nunca é tarde para recomeçar. Então hoje eu pretendo terminar minha faculdade, fazer meu mestrado e se Deus permitir chegar a meu doutorado".

Cícero Junior é só um dos exemplos de reeducandos do sistema prisional alagoano que estão tendo a oportunidade de escrever uma nova história. Como ele, outros 12 detentos cursam o ensino superior dentro do sistema, divididos entre os cursos de administração, geografia, história, educação física, análise e desenvolvimento de sistemas e gestão de recursos humanos.


Realidade de reeducandos de Alagoas está sendo transformada
FOTO: JORGE SANTOS/ASCOM
Os cursos são 100% online e acontecem na sala de informática do Núcleo Ressocializador da Capital, com acesso nos horários programados e mais uma hora disponibilizada no horário noturno para estudos na biblioteca da unidade. A iniciativa partiu dos próprios reeducandos e de gestores do núcleo, que solicitaram à Vara de Execuções Penais de Alagoas autorização para que os detentos participassem do vestibular da Universidade do Norte do Paraná - Unopar. O projeto deu certo e desde então o número de presos interessados em cursar faculdade tem crescido a cada ano.

A mensalidade dos cursos é paga pelos próprios detentos com a remuneração que eles recebem pelo trabalho desempenhado dentro do sistema. O número de estudantes do ensino superior só não é maior justamente porque alguns ainda não têm condições de pagar essa mensalidade, por isso, o estado tem buscado parcerias para ampliar as oportunidades, como nos explica o chefe do Núcleo de Ressocialização, Élder Rodrigues.

Secretário Marcos Sérgio fala sobre a parceria com instituições de ensino superior
FOTO: ASCOM

"Nossa meta é tentar chegar a 30 universitários até o final do ano, hoje temos 13 e mais 20 que concluíram o ensino médio, mas infelizmente não têm condições de pagar uma universidade. Por isso estamos indo agora buscar parcerias. Fomos contemplados pelo Senai, com cursos de iniciação profissionalizante e cursos técnicos. Estamos também fechando com o Senac. Se conseguirmos, teremos não só curso superior, mas também pós-graduação e cursos técnicos", diz o gestor.

A oferta de educação formal no sistema prisional alagoano teve início em 2011, impulsionada por alterações na Lei de Execuções Penais (LEP). Nesse período, inúmeras transformações ocorreram e o acesso ao conhecimento através da educação tem sido uma ferramenta fundamental para mudar a vida dos reeducandos.

Como a de Jadielson Barbosa da Silva, de 46 anos. Envolvido em um homicídio nos anos 90, Jadielson foi condenado a 105 anos de prisão. Chegou a ser solto em 2001, mas voltou ao presídio após ser julgado em definitivo em 2012. Durante esses anos, foi gerente de uma rede de açougues em São Paulo e por isso escolheu o curso de administração. Ele espera por recursos que estão em andamento na justiça e se um dia voltar à sociedade, quer buscar novamente seu espaço no mercado de trabalho.

"Como eu já era dessa área de administração, foquei nela para quando eu sair, se demorar ou não, quando eu tiver com o diploma eu já terei um espaço maior para trabalho. Se o espaço já é restrito para pessoas normais, para o egresso é ainda mais. Quando eu sair, quero continuar tomando conta da família, como vinha desde 2001, agora com diploma e uma vivência muito maior, pois quando você entra no sistema prisional você não sai a mesma pessoa".


Atualmente, o Sistema Penitenciário de Alagoas possui mais de 1.100 vagas para a assistência educacional, divididas entre educação básica, ensino superior, qualificação profissional e preparação para o mercado de trabalho, além de atividades complementares. A busca agora é aumentar ainda mais esses números, como nos fala o secretário de Ressocialização e Inclusão Social, Marcos Sérgio Freitas, que destaca o papel da academia nesse trabalho.

"A gente está aumentando esse número trazendo a academia para o sistema prisional. As academias, como parte da sociedade, tinham também um pouco de preconceito, mas a gente está trazendo a Universidade Federal de Alagoas, a Unopar, o Cesmac, dentre outras. A gente tem essa participação tanto das academias privadas, quanto as públicas, trazendo essa diretiva. Assim como o trabalho, é uma conquista muito grande", comemora o secretário.


Outro exemplo de boa iniciativa é o projeto Lêberdade, um programa que incentiva a leitura, interpretação e construção de textos nos presídios. Como consequência, a ação amplia a educação e cultura dos internos que têm ainda suas penas remidas atendendo aos requisitos do projeto. A iniciativa deu tão certo que está concorrendo ao prêmio anual do Concurso Ações Inovadoras, promovido pela Secretaria do Planejamento, Gestão e Patrimônio do Estado, e tem ajudado ainda a melhorar também os índices de saúde mental dentro do sistema, como nos explica a gerente de educação, produção e laborterapia da Seris, Andrea Rodrigues.

"Esse projeto realmente é bastante promissor, porque ele alcança o maior número de pessoas, uma vez que o livro vai até as pessoas. Durante o período de leitura, o reeducando fica com o livro na cela e aí a gente tem uma oficina que ensina a fazer a resenha ou o relatório, dentro do nível de escolaridade", explica. "


Presos lendo na Biblioteca (Fotos: Jorge Santos)
Está sendo um sucesso. A gente estava com histórico de tentativa de suicídio muito grande e percebemos que depois de começar o projeto essa incidência diminuiu. O Lêberdade tem proporcionado essa liberdade mental", celebra a gerente. Infelizmente, as boas ações ainda esbarram na falta de recursos humanos. A carência de agentes penitenciários atrapalha o desenvolvimento de projetos como o Lêberdade e a oferta da educação dentro do sistema prisional, mas isso é assunto para a próxima reportagem, onde também conheceremos o modelo de unidade prisional que serve de exemplo em todo o Brasil e está inserido no sistema prisional de Alagoas, o Núcleo Ressocializador da Capital, centro da maioria das boas iniciativas apresentadas ao longo desta série de reportagens.

Fonte:  Eduardo Vieira e Adelaide Nogueira - Rádio Gazeta