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Edson Nery da Fonseca - O eterno Mestre

"Eu não tenho sequer pós-graduação, não tenho mestrado, doutorado, tenho apenas um bacharelado em uma ciência que ninguém leva a sério chamada Biblioteconomia."

Biblioteconomia Social

"A interação entre a técnica e o social me fez conceber o que intitulo de Biblioteconomia Social..."

Shiyali Ramamrita Ranganathan

"A informação necessita encontrar todos os leitores e todos os leitores devem encontrar as informações."

Jean Piaget

"O ser humano é ativo na construção de seu conhecimento e não uma massa 'disforme' a ser moldada pelo professor."

Michel Foucault

"A prisão do jeito que é hoje, é inócua porque “se eu traí meu País, sou preso; se matei meu pai, sou preso; todos os delitos imagináveis são punidos de maneira mais uniforme. Tenho a impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo remédio. E um remédio que não cura!”.

30 de jan. de 2017

Apenado passa em 1º lugar no SISU: Curso de Biblioteconomia na UFPB

30/01/2017 16h41 - Atualizado em 31/01/2017 23h30
O primeiro lugar no Sistema de Seleção Unificada (SISU) para o curso de Biblioteconomia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) foi conquistado por um detento da Penitenciária de Segurança Máxima Geraldo Beltrão, em João Pessoa.

Rodrigo Antônio Monteiro, de 38 anos, foi aprovado em primeiro lugar, com média 591,82, para o curso de biblioteconomia na Universidade Federal da Paraíba, através das 14 vagas reservadas para cotistas, por meio da realização do Enem Para Privados de Liberdade (Enem-PPL) em 2016. 

O preso cumpre pena há dois anos na penitenciária Geraldo Beltrão, mas já passou por outros presídios do sistema carcerário da Paraíba. A penitenciária dispõe de um sistema de ensino, onde uma cela foi transformada em biblioteca e sala de aula, proporcionando a ressocialização através da leitura e do estudo. Lembramos que Bibliotecas nas Instituições Penais são prerrogativas legais desde 1984 - Lei de Execuções Penais 7.210 de 11 Setembro de 1984. 

De acordo com o diretor do presídio, João Rosas, o mesmo preso foi aprovado também em primeiro lugar para o curso de Letras no ano anterior, usando a nota do Enem 2015 e através do Sistema de Seleção Unificado (Sisu), mas a burocracia o impediu de fazer o curso presencial. Para João Rosas, “a grande questão agora é para tornar esse sonho realizado”, declarou. A direção da penitenciária quer que o detento consiga, pelo menos, fazer o curso de Educação à Distância. Com inscrição para o ProUni realizada, é possível que, desta vez, Rodrigo consiga realizar o sonho do ensino superior. “De toda forma a gente vai fazer a matrícula dele na quinta-feira, no curso de biblioteconomia”, disse o diretor. A penitenciária agora aguarda a documentação original do detento que deve ser entregue pela família. “Acredito que para o Ensino à Distância vamos conseguir”, ressaltou.

Segundo o diretor, a reação do candidato foi de surpresa, mas também de felicidade, ao ser mais uma vez aprovado, mesmo estando privado da liberdade. “Ele tem muita esperança de, efetivamente, poder cursar”, declarou João. 

Graças ao trabalho árduo e maravilhoso dos educadores da Unidade Prisional, além de todos os Agentes Penitenciários que viabilizam a efetividade do processo educativo, teremos um futuro bibliotecário egresso do sistema penal.

Destacamos que um dos maiores incentivadores da Educação intramuros do cárcere na Geraldo Beltrão é o seu Diretor João Rosas – Agente Penitenciário e atual Administrador da Penitenciária. João também é professor e destaca que: 

A educação é sem sombra de dúvidas, o instrumento mais eficaz de transformação social. Já dizia nosso patrono da educação nacional, Paulo Freire “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco a sociedade muda”, sábias palavras que levo em todos os momentos da minha atuação como profissional do sistema penitenciário e educador. 

O Enem-PPL recebeu 852 inscrição na Paraíba, no entanto, apenas 44 se inscreveram no Sisu. De acordo com a Gerência de Ressocialização do Estado, 24 reeducandos conseguiram atingir nota para certificação do ensino médio. “Para garantir essa certificação é necessário [atingir] 450 pontos em cada área de conhecimento e 500 pontos na redação”, explicou a gerente do órgão, Ziza Maia.

Que outras casas de detenção possam se inspirar na administração do João, que nos provou que é sim possível fazer da Educação o caminho – talvez único, no combate da criminalidade e torná-la ferramenta de ressocialização do apenado dentro do convívio social em sua vida extramuros prisional.

Fonte Das Informações e Registro de Imagens: João Rosas (http://tinyurl.com/gu3unsl) - Com autorização do mesmo.
Atualizado com fontes do  G1 (g1.globo.com)



10 de jan. de 2017

Direito à Educação das Pessoas Privadas de Liberdade: Projeto “Do Cárcere à Universidade”

Levar indivíduos para o cárcere pune suas ações delituosas. Mas não pode ser encarado como prevenção ao combate da criminalidade. Em verdade, isso nada mais é do que remediação. Prevenir mesmo é tomar medidas socioeducativas, evitando deste modo a reincidência no crime. Por isso nossa pauta, hoje, centra-se no Projeto “Do Cárcere à Universidade”, coordenado pela professora Socorro Calháu, há cinco anos, na UERJ. Inspiremo-nos no exemplo deste projeto.


Professora Socorro Calháu
OBJETIVO DO PROJETO: Garantir o Direito à Educação Superior às pessoas privadas de liberdade que se encontram no regime semiaberto e lograram êxito no vestibular.

Trata-se de solicitar autorização (e as renovações semestrais) para frequentar as aulas à VEP - Vara de Execuções Penais; receber o interno do Sistema Prisional num espaço onde ele possa ter condições de se formar academicamente, ter acesso à tecnologia, e auxiliá-lo nas possíveis intercorrências, dificuldades (que são muitas); aceitação pela comunidade acadêmica; participar de Congressos e demais Reuniões Científicas; e por último, incentivar a criação de uma Política Pública de Inclusão das Pessoas Privadas de Liberdade nas Universidades.


Socorro Calháu esclarece: 

Nosso projeto é um grãozinho de areia na árdua tarefa de garantir o Direito à Educação das Pessoas Privadas de Liberdade. Não tenho verba alguma, nem uma grande equipe. Apenas uma bolsista, uma voluntária e, eventualmente, um advogado igualmente voluntário que empresta algumas horas para a nossa causa. Aprendi a transitar pela Vara de Execuções Penais - VEP, falar com os juízes e juízas, abrir um espaço para a interlocução universidade/judiciário, na busca do cumprimento de um DIREITO.

Toda vez que ouço as pérolas: “bandido bom é bandido morto”, “devia ter uma chacina por mês”, penso no nosso projeto como uma flor para oferecer às pessoas que se sentem superiores, ou muito melhor do que alguém que está passando pelo Sistema Prisional;

Toda vez que um interno passa no vestibular e adquire o benefício do semiaberto, e nos procura, como hoje, que recebemos mais um preso, que vai se tornar universitário, meu coração de enche de ESPERANÇA e eu me sinto feliz como uma menina arteira.

Esperamos poder oferecer, cada vez mais, essas flores, às pessoas que ainda não descobriram que o mundo só fica realmente bom, de se viver, quando estamos TODOS, absolutamente TODOS, juntos, como parceiros na construção da Cultura da PAZ.



Socorro Calháu - Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Adjunta do DEAE - Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora/pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Extensão, “Do Cárcere à Universidade”, da UERJ.











6 de jan. de 2017

“A prisão é um fracasso”, afirma o especialista mundial em Educação nas prisões, Marc De Maeyer


Marc De Maeyer, Belga, especialista mundial em Educação nas prisões, já visitou mais de cem presídios em 80 países, atuou como especialista do Instituto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, para Educação ao longo em Hamburgo, e como consultor técnico em Pesquisa Aplicada para Educação em Contextos Prisionais, no Canadá. 

Marc discorre sobre a realidade dos cárceres no Brasil e afirma: “A prisão é um fracasso”. E ele detalha: 

“Não um fracasso unicamente para os indivíduos, mas também para a sociedade, que não imagina outra coisa, a não ser o encarceramento, para punir uma pessoa delinquente. Isso acontece porque a sociedade se sente segura com a prisão dos indivíduos considerados perigosos. Ao mesmo tempo, são somente os pobres que estão presos, não pelo fato de serem mais perigosos, mas porque a prisão é uma consequência da pobreza, da ausência de recursos e de educação. E cabe ao Estado combinar os anseios da opinião pública com o fato de a Educação ser, em nome da democracia, um direito de todas as pessoas”.

De Maeyer também apontou que é preciso Educar não só os presos, mas também seus familiares e os agentes penitenciários. 

“Em algumas prisões, há somente cinco classes para mil presos. É muito pouco. Por conta disso, a Educação na cadeia é apenas para uma elite ou para os que têm grande motivação. É preciso ainda motivar aquele que teve uma história negativa de escolarização. Creio que todo trabalho consiste em definir um processo que motive os presos a se educarem, para que possam definir sua própria demanda por Educação. É um processo difícil para quem está fora da cadeia e ainda mais difícil na prisão”.


Ainda na avaliação de De Maeyerm, os projetos de Educação nas prisões com maior sucesso são os que se referem à Educação não formal, envolvendo teatro, cinema ou pintura.

“O processo de dedicação ao projeto é mais importante do que o resultado final, assim como a consciência do que está sendo realizado é mais importante que a avaliação de um educador. Os principais problemas são a falta de continuidade de estudo, ausência de lugares e falta de recursos, bem como as constantes transferências dos presos que interferem tanto na continuidade como na perda da motivação para estudar”.

A educação no cárcere não é uma condição para prevenir a criminalidade, alertou o pesquisador. "A Educação é um instrumento para escolhas, para as pessoas poderem mudar suas atitudes", acrescentou. 

Atualmente, a Unesco trabalha com a possibilidade de implementar a Educação dentro das prisões, não apenas dentro do processo de ensinar o preso a ler e a escrever, mas de levar a Educação para o cotidiano dele no seu retorno à liberdade. 

Segundo Maeyer, a  Educação ajuda o detento a identificar e hierarquizar as aprendizagens para lhes dar um sentido: para que elas possam lhe oferecer possibilidades de escolha com conhecimento de causa; para que a faculdade de escolher reencontre seu campo de ação, a saber, o eu-aprisionado mas aprisionado por um certo tempo apenas. Não se trata, então, para o educador, de começar por emitir um julgamento sobre os adquiridos do detento – o juiz colocado à frente do educador emitiu seu veredito. Está na ordem das coisas. O educador não tem que repetir, amplificar, relativizar ou mesmo comentar o julgamento da justiça. O detento não chega do nada na prisão e nos cursos. Ele possui uma experiência compartilhada com outros detentos com os quais tem um universo de exclusão comum. 

A família deve ser educada juntamente com o preso, porque sabemos que uma grande parcela dos filhos oriundos dessas famílias instáveis acaba encarcerada, pois há um maior risco de termos um preso de segunda geração, ou seja, aquela que teve o pai preso. Isto porque a prisão do pai vai provocar o fracasso dessa família, bem como o fracasso escolar de seus filhos. É preciso desenvolver projetos que permitam aos pais presos conservar sua função educativa que deve acontecer nas visitas familiares. Essa função pode ser exercida nas bibliotecas existentes nos presídios, um espaço que é igual em qualquer lugar do mundo. Todos os outros espaços dentro da prisão são diferentes dos encontrados no exterior. Além disso, o ambiente pode ajudar, por causa dos livros. Com isso, os pais na prisão podem conservar seu papel de educador.

O pesquisador da UNESCO lembrou que também cabe à sociedade pensar e ajudar a inserir novamente essas pessoas. E lamentou a falta de informações exatas sobre a realidade nas prisões. "Dos formulários enviados para vários países na tentativa de mapear e destacar as principais dificuldades na área de Educação, recebemos apenas 80 respostas", informou De Maeyer. 

FONTE: Entrevista concedida à jornalista Regina Scomparin, da revista AlfaSol.

5 de jan. de 2017

Do Cárcere à Universidade: a história de um egresso do sistema penal


Faço parte do 1% que aprendeu o certo dentro do errado.
Paulo Fernando 

Fizemos uma entrevista exclusiva com Paulo Fernando, egresso do sistema penal, que ainda no cárcere leu inúmeros livros e buscou na Educação o caminho de volta na sua vida extramuros do cárcere. 


Mas quem, pós sair do cárcere, com a vida estabilizada, formando-se na universidade e dono do próprio negócio, seria capaz de dar, literalmente, a cara à tapa e se expor assim? Afinal, sabemos do preconceito que existe na sociedade para com ex-presidiários, por mais que os apenados quitem seu débito junto da justiça, é como se eles estivessem numa divida terna junto da sociedade, que os julga dentro de uma sentença eterna, como se tivessem um “X” na testa para o resto de suas vidas. Diante disso, tomamos o cuidado de oferecer ao Paulo o anonimato, omitindo seu verdadeiro nome... Mas ele não aceitou, alegou estar cansado do julgamento alheio, desejou que sua história fosse exposta para então, quem sabe, servir de exemplo para os que desejam seguir novos caminhos, provar que é possível ocupar o tempo ocioso da prisão com livros e estudos, fazendo da biblioteca um espaço que pode oferecer o maior empoderamento que um individuo é capaz de ter: a informação. 

E foi isso que Paulo fez, tomou a leitura como trilha para “sobreviver” atrás das grades - como ele mesmo afirmou, e depois para voltar ao convívio da sociedade, já na liberdade conquistada. 

"Estive preso por 10 anos sem por meus pés na grama ou no mar, hoje tenho 3 empresas, alguns funcionários, e acabei de me formar no curso de Administração. Fiz o ensino médio duas vezes dentro da prisão, fiz todos os cursos que me foram oferecidos e li algumas centenas de livros, pena que o sistema não tem interesse em criar bibliotecas e reintegrar na sociedade homens que produzam. O sistema rouba até dos detentos que trabalham nas valas."

Para inserir os livros nas prisões, não precisamos de novas Leis, mas sim que se façam cumprir aquelas que já existem, exemplo da Lei de Execuções Penais - LEP, Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. Nela roga como obrigatório que todo e qualquer estabelecimento penal deve ser dotado de biblioteca. Nos estabelecimentos penais - penitenciárias, a lei não só pode como deve ser aplicada.
Porém, o mais triste e consternador é que muitos Conselhos Regionais de Biblioteconomia – CRB, sequer tem ciência desta legalidade e tão pouco fiscalizam para ver se há as unidades de informação no mundo intramuros. Bibliotecário? Nem pensar... A Superintendência de Serviços Penitenciários sequer agracia em seus editais a função de bibliotecário... Mas se em tese tem/deveria ter biblioteca, então a mesma precisa ter o profissional da informação. Pasme, mas o sistema consegue "burlar" a lei... Insano não? 

Mas, tal como o nosso entrevistado colocou sobre o “sistema”: 

"Sistema corrupto, falta de comida e leite. Preparação para a vida que eu não tive. Assim como a maioria da população! Vi homens chorando, vi jovens presos porque, em uma discussão de colégio, eles levaram um pé de tênis por picuinha. Jovens que foram condenados a mais de 5 anos de prisão e foram jogados naquele inferno. Vivi muita coisa. Briguei com Deus e pedi pra morrer e me arrependi e voltei mais forte. Fui líder de pavilhão por 6 anos. Tirei jovens que consumiam crack do vício. Abracei mães que choravam pedindo minha ajuda. Não tenho vergonha de mostrar minha face. Faço parte do 1% que aprendeu o certo dentro do errado."

Temos atrás das grades indivíduos presos pagando por seus delitos e o sistema cometendo delitos, afinal, fazem o uso da nomenclatura "espaço de leitura" para fugir da discussão que envolve a ausência de bibliotecários, aliás, normal até mesmo nas unidades de ensino escolares. 

Já passou da hora de lutarmos para que esta Lei seja verdadeiramente colocada em prática. Livros e leitura para os apenados não é assistencialismo, benevolência, mas um direito legal que lhes cabe. O exemplo do Paulo contextualiza toda a nossa falácia sobre a importância da leitura dentro das instituições penais. Não é utopia, mas realidade. Bibliotecas não são fábricas de milagres, os livros não possuem poder mágico, mas o livro e a leitura são ferramentas capazes de alterar rotinas e modificar vidas. Nosso entrevistado provou isso. Não há outro caminho no combate da criminalidade senão os caminhos da educação e os livros são ponte para isso. 

Confiram a nossa entrevista na integra, acesse “Do Cárcere à Universidade”: