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Edson Nery da Fonseca - O eterno Mestre

"Eu não tenho sequer pós-graduação, não tenho mestrado, doutorado, tenho apenas um bacharelado em uma ciência que ninguém leva a sério chamada Biblioteconomia."

Biblioteconomia Social

"A interação entre a técnica e o social me fez conceber o que intitulo de Biblioteconomia Social..."

Shiyali Ramamrita Ranganathan

"A informação necessita encontrar todos os leitores e todos os leitores devem encontrar as informações."

Jean Piaget

"O ser humano é ativo na construção de seu conhecimento e não uma massa 'disforme' a ser moldada pelo professor."

Michel Foucault

"A prisão do jeito que é hoje, é inócua porque “se eu traí meu País, sou preso; se matei meu pai, sou preso; todos os delitos imagináveis são punidos de maneira mais uniforme. Tenho a impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo remédio. E um remédio que não cura!”.

22 de dez. de 2018

Cor define honra?

Cor define honra? 

Para os militares, parece que sim. Deste modo, o que era pra ser mais uma ação Cultural, visando uma reflexão entre Guerra & Paz, acabou sendo deturpada pelo comando do exército da cidade de Presidente Prudente, SP.  O idealizador do projeto é Itamar Xavier de Camargo, conforme descrição do próprio em seu Instagram: “Ex-presidiário que se tornou professor, Grafiteiro, palestrante, empreendedor social e criou cerca de 60 bibliotecas itinerantes.” 

 Já publicamos outras matérias sobre ele, aqui mesmo neste espaço. Para quem deseja conferir ou saber mais sobre o Itamar, clique aqui: 




É incrível como a imagem de um tangue de guerra, que serve para matar, não desonra ninguém. Mas se este "simbolo do exército brasileiro" tiver suas cores alteradas, dentro de uma iniciativa que visa justamente contrapor a guerra e paz, aí a paz dá lugar apenas para a guerra, ainda que na forma de criticas e até censura. Será que nossos "feitos militares" estão sob o crivo das cores? O tangue de guerra, que foi metade grafitado, permanecendo o outro lado original, justamente para buscar um contraponto de reflexão, estava tomado pela ferrugem, dentro da praça da cidade. Compreende-se, então, que nossa honra pode cair aos pedaços, enferrujar, mas jamais ser revitalizada sob forma de arte, pois neste caso, fere os "feitos" nacionais. 


Itamar ressalta: 


"Tenho uma grande satisfação em ver a alegria das pessoas ao ver como esta ficando o tanque, tiram fotos e dizem ser a coisa mais linda. O que antes representava guerra, hoje está se tornando um símbolo de paz. Ao redor do tanque teremos em breve um mural representando essa paz. Desejo que essa paz seja com todos, que o príncipe da paz seja com todos."  

Muitas foram as realizações de Itamar! Este ano, por exemplo, lá no início de 2018, em fevereiro, foi pego de surpresa em uma de suas aulas na E.M (Escola Municipal) Dr. João Franco de Godoy, o Navio, quando com a visita do apresentador Luciano Huck e sua equipe do "Caldeirão do Huck" (Rede Globo), que ainda trouxe até ele de presente uma de suas maiores referências na arte de grafitar, o renomado Eduardo Kobra. Logo depois ele reproduziu com seus alunos a maior imagem (24 m por 25 m), feita a partir de lixo eletrônico (disquetes, televisores, computadores, roteadores, carregadores, etc) batendo o recorde brasileiro, entrando para o RankBrasil. 

Esta semana foi certificado como semifinalista com o projeto “Lixo que fala” no 19º Prêmio Arte na Escola Cidadã, pelo Instituto Arte na Escola, motivo de orgulho para o professor, visto que, ele o entende como o maior prêmio nacional de ensino de artes. “Ano que vem tento novamente [risos]”, expõe o educador artista que colore e alegra com seu dom de grafitar os mais variados ambientes, de velhas pilastras, a troncos de árvores, bancos de praças, muros de escolas, paredes de instituições privadas ou particulares dando-lhes nova cara, vida e luz!

Quem passar pela escola Clotilde Veiga de Barros, poderá ver a beleza, a sensibilidade desse professor artista. Ela foi recentemente contemplada com um lindo mural que recebeu o título “Libere a Criança que existe em Você” onde ele retratou desenhos animados das décadas de 70, 80 e 90. Impossível não sentir aquele saudosismo no coração! 

No mês passado mais uma vez criou com seus alunos o maior mosaico com 200 mil tampinhas plásticas (pets) do Brasil, medindo 8 x 20 metros. 



“No parque ecológico Cidade da Criança já temos uma nova atração, um tanque de guerra grafitado por mim. E atrás dele, desenharei um mural com 5 metros de altura e 10 de largura, formando um cenário ao redor do tanque representando a ‘guerra e a paz’. Essa obra cela esse ano tão incrível para o meu trabalho . As tintas foram doadas e a mão de obra é voluntária como 90% do que faço", acentua o artista. 

Quem faz, “acontece” 


Na verdade, os últimos anos têm sido assim para o professor artista. Conforme ele, de total êxito profissional. "Acho que tudo se dá pelo fato de eu viver nessa dinâmica de novidades, sempre pensando em fazer algo novo. Sem contar que trabalho duro, faço o que é necessário para ver as coisas acontecerem. Ponho a mão na massa, literalmente. Outro dia, enchi o carro com lixo eletrônico que encontrei jogado em uma calçada, para usar em minhas obras”, destaca o professor. 

Itamar comenta que se não consegue doações gasta do próprio bolso, para fazer acontecer, pois o mais importante é que ele acredita no que faz. “Como foi dito no programa do Huck, você só poderá fazer o impossível se acreditar que é possível. Lembro que quando tiver a ideia de criar uma biblioteca comunitária ouvi pessoas criticando e dizendo que hoje ninguém mais lê. A biblioteca foi criada e fez o maior sucesso, pela primeira vez na vida vi uma matéria publicada no jornal ‘O Imparcial’, em 2011!”, lembra orgulhoso o professor idealizador do projeto Leitura Campeã, que mantém as dezenas de Geladeirotecas (geladeiras velhas estilizadas, grafitadas por ele mesmo e seus alunos) espalhadas por toda a cidade. 

Desde então ele não parou mais e acredita que com o tempo de uma boa plantação, a colheita de bons frutos é sempre esperada. “O Augusto Cury em seu livro ‘Nunca desista de seus sonhos’, diz que quando seu sonho envolve o bem de outras pessoas ele sempre se realiza. Levei isso a sério e busco sonhar com coisas que atinjam de forma positiva as pessoas ao meu redor!”, exclama Itamar. 

Transformação de vida 

Vale sempre retomar. Quem não conhece, vale a pena buscar o primeiro livro intitulado “A Verdade que Liberta”, onde em 15 capítulos distribuídos em 142 páginas, Itamar relata a extrema exclusão social e o abandono que sofreu em sua vida. Ele chegou ao fundo do poço, foi parar no cárcere, mas, graças a Deus, por meio do cristianismo, da solidariedade e de seu empenho nos estudos mudou a sua vida e vem mudando a de muitos pessoas, crianças, adolescentes, jovens e adultos também, com seus projetos. 

Como já mencionado, Itamar é pedagogo, psicopedagogo, arte-educador, gestor de projetos e mobilizador social pela educação. Criador do projeto Leitura Campeã, desde 2011, incentiva e fomenta a leitura na cidade e região, com inúmeras ações. Os pontos de leitura estão em UBS (Unidades Básicas de Saúde), em ONG’s (organização não governamental) além das Geladeirotecas utilizadas como uma estante/armário para livros; escolas e praças.

“Um Poema Em Cada Esquina”, é mais um de seus projetos. Nele, fixa plaquinhas de madeira, com trechos de poemas de autores de renome e versículos bíblicos, em praças e algumas esquinas da cidade. 

Mas, infelizmente, para o comando do exército de Presidente Prudente, "cor define honra". 



16 de set. de 2018

Remição Da Pena por meio da Leitura: remição pra quem?

A população prisional brasileira já é a terceira maior do mundo. Só perde para EUA e China, ocupando assim a terceira posição com mais de 726 mil presos. Destes, 75% sequer chegou ao ensino médio - dados do governo, porque quem conhece de perto, sabe que a realidade é que sequer concluíram o ensino fundamental - e praticamente 90% nunca teve o hábito da leitura ou mesmo pegou em um livro para ler. Num país em que as Bibliotecas Prisionais são previstas em Lei (LEP 7.210/1984) e que sequer fazem parte da realidade do sistema penal, ainda tomadas como mero assistencialismo, almejar que a “remição de pena por meio da leitura” seja uma medida eficaz e educativa para remir a pena dos apenados é no mínimo ingênuo e, acima de tudo, excludente. Sim, de uma exclusão de grandes proporções. Afinal, quais são as condições de um individuo que nunca foi apresentado aos livros, que mal sabe ler e escrever, sem sequer entender o que significa ser uma “resenha” e exigir dele a compilação critica de uma obra do Tolstói (um dos autores disponíveis aos presos para ler a obra e resenhar)? 

Presídio Aníbal Bruno
Fonte: Luiz Silveira/Agência CNJ
O cárcere está abarrotado de homens e mulheres que sequer tiveram a chance de estudar, sem contar naqueles que sequer são letrados. Como esperar deles uma produção literária nestas condições? Ora, muitos universitários ainda possuem dificuldade na hora de compor uma resenha, passam primeiro dos cadeiras de “Produção Textual”, para só então resenhar e esperar que um preso, sem usufruir de uma biblioteca - laboratório legitimo e necessário – ou mesmo sala de aulas, possa então estar em condições de elaborar uma resenha, querer isso é simplesmente ignorar o “Zé Ninguém” do pavilhão A ou B e beneficiar o Eduardo Cunha, Lúcio Funaro, Pizzolato, Dirceu, Cabral e Luiz Estevão, além de outros tantos reclusos de “pedigree”. Mas e o filho da lavadeira, do “Sr. João da Barraca” lá da favela? Como ficam os apenados sem estudos ou semianalfabetos e até analfabetos? 

Ex-senador Luiz Estevão, preso na Papuda, fazendo sua leitura na prisão.
Fonte: http://www.jornalregional.com.br
Remição da Pena por meio da Leitura? Só se for para a “elite encarcerada”, para o preso comum, nem acesso a biblioteca existe porque biblioteca não tem. Este é, lamentavelmente, o nosso Brasil. Se uma lei for de fato cumprir a premissa de “reeducar”, além de punir (objetos do cárcere), então ela há de chegar só aos que a lei convém, pois diante da realidade catastrófica que é o nosso sistema prisional brasileiro, a “Remição de Pena por meio da Leitura” não passa de exclusão pura!


Catia Lindemann
Presidente da Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais - CBBP


17 de mai. de 2018

Hospital do Livro: obras literárias restauradas por presos

Penitenciária Estadual de Ponta Grossa
Seis presos da Penitenciária Estadual de Ponta Grossa, na região dos Campos Gerais (PR), trabalham na recuperação de livros de literatura. As obras, após os reparos, são distribuídas gratuitamente pela cidade. Em dois meses, o projeto Hospital de Livros já recuperou cerca de 200 obras. Os livros restaurados fazem parte do acervo de outro projeto, o Pegaí Leitura Grátis, que distribui obras literárias gratuitamente em várias cidades do Paraná. Há também livros doados às bibliotecas da Penitenciária Estadual de Ponta Grossa e do Centro de Regime Semiaberto. Um profissional cedido pela coordenação do projeto Pegaí capacitou os presos para o trabalho de restauração dos livros, que exige especialidade e técnica. 

RECUPERAÇÃO – O projeto nasceu da necessidade de recuperar livros danificados pelo mau uso ou desgaste natural do tempo. “Muitos seriam descartados e agora voltam à vida”, afirma o diretor da unidade prisional, Luiz Francisco da Silveira. Vale destacar que os apenados nada ganham por isso senão a remição da pena por meio do trabalho. 

O “Pegaí – Leitura Grátis” é uma iniciativa sem fins lucrativos, não governamental, criado em julho de 2013 na cidade de Ponta Grossa, no Paraná, e mantido por um grupo de pessoas apaixonadas por leitura e que acreditam que os livros não podem ficar guardados nas estantes, privados de serem lidos. Idealizado pelo professor universitário Idomar Augusto Cerutti, o objetivo da iniciativa é incentivar o hábito da leitura. Para isso, a proposta é receber a doação de livros e colocá-los à disposição de novos leitores em locais públicos. 

Recentemente, a Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais (CBBP) visitou a Penitenciária Estadual de Ponta Grossa, dentro do "Encontro Paranaense de Bibliotecários" e foi convidada a conhecer o Hospital de Livros. 


CBBP com o professor idealizador do "Hospital de Livros, Idomar Cerutti, e os apenados restauradores.

Segundo Catia Lindemann, presidente da CBBP: 

“É incrível esse projeto. Dá aos apenados o pertencimento pelos livros, eles se empoderaram pelo projeto e sabem que ao dar vida nova nestes livros, estão também propiciando com que bibliotecas, comunidades e pessoas possam usufruir de uma obra revitalizada que só foi possível porque passou pela mão deles."


O Instituto Pegaí Leitura Grátis segue seu projeto de expansão em Ponta Grossa. No final de 2017, a Cadeia Pública Hildebrando de Souza recebeu sua segunda estante de disponibilização de leitura , dessa vez dentro de uma de suas galerias. “É uma galeria com perfil diferenciado de apenados”, conta o vice-diretor da Cadeia, Rodrigo Furman, explicando que o espaço recebe apenados provisórios e condenados, mas que são réus primários.



O "Pegaí" vive basicamente de doação de livros e mobilizou uma campanha chamada “Liberte seu livro” dentro do Aeroporto Internacional Afonso Pena em São José dos Pinhais – PR. 

Aeroporto de Curitiba
A iniciativa tem por objetivo receber doações de livros de literatura de viajantes que estão chegando no aeroporto, foram instaladas diversos painéis publicitários para estimular as doações, com 3 balcões para recebê-las,  localizados junto das esteiras, tanto doméstico quanto internacional e também na área pública, logo na saída do desembarque doméstico.




Apenado restaurador explicando seu trabalho de recuperação das obras
Os livros doados são posteriormente colocados para empréstimo de todo e qualquer cidadão, sem maiores formalidades, como o nome já diz, "Pegaí", "leva e devolve quando terminar de ler. Vai da consciência de cada um a devolução", como afirma Idomar Cerutti. As obras danificadas são levadas para o "Hospital do Livro" e depois restauradas pelos presos. 



27 de abr. de 2018

Da prisão às salas de aula como professor: leitura leva ex-presidiário ao título de mestre em Educação

Filho de moradores de rua em São Paulo, pai alcoólatra e mãe com transtornos mentais, Itamar Xavier de Camargo, hoje com 38 anos, começou cedo no crime e no uso de drogas. Foi interno da Fundação do Bem-estar do Menor (Febem) e presidiário, mas encontrou na leitura o caminho para reescrever a sua história que acaba de ganhar um novo capítulo: o da conquista do título de mestre em Educação.

Xavier pesquisou sobre a formação de leitores, tendo o professor como mediador. Sua dissertação, levada à defesa pública na tarde da última quinta-feira (26), deverá ser publicada em livro, por sugestão da banca examinadora. Entendendo que o assunto fica restrito ao meio acadêmico, se seguir apenas praxe da publicação científica, as avaliadoras sugeriram o livro, para proporcionar acesso a um público mais abrangente.

Tendo concluído o ensino básico no supletivo, Xavier fez pedagogia e passou a se ocupar com um projeto social, realizado em extensão universitária. Em sua comunidade, num conjunto de 2,5 mil moradias populares, implantou em 2011 o projeto “Leitura campeã”, com a obtenção de livros em doação e que passaram a ser disponibilizados em outra criação sua: as bibliotecas comunitárias instaladas em locais públicos, especialmente em unidades municipais de saúde de Presidente Prudente (SP).

Itamar também ministrou fala, no palco principal, do maior congresso de Biblioteconomia e Ciência da Informação (CBBD), contou sua história, encantando à todos com sua trajetória, do submundo do crime à sala de aula na condição de professor.


O nome “Leitura campeã” teve origem na escolinha de futebol de uma comunidade evangélica, no conjunto Ana Jacinta. Embora nome sugira como campeão quem lê mais livros, o estudo feito no mestrado chama a atenção para a qualidade da leitura e não para a quantidade. “O acesso ao livro é importante, mas sem a qualidade da leitura, promovida pelo mediador, o leitor não se revê e não se transforma”, pontua a orientadora de Xavier, Dra. Maria de Lourdes Zizi Trevizan Perez, pesquisadora vinculada à Universidade do Oeste Paulista (Unoeste).

Foto: João Paulo BarbosaXavier com as doutoras Zizi, Ana Luzia e Érika

A pesquisa de Xavier mostra que não é o perfil competitivo que faz a diferença. “Não é a qualidade do ser; é a qualidade do ter”, afirma Zizi. Sendo assim, o professor, na condição de mediador da leitura, deve buscar uma base científica. É o que fez Xavier na condição de trabalhar, desde 2016, em escola de rede municipal de educação, com alunos do 4º ano do ensino fundamental.

“O estudo científico modificou as metodologias que uso enquanto professor, em busca de mediar uma leitura mais completa. Sinto-me mais preparado no desafio de formar leitores”, diz Xavier. Na condição de avaliadora externa, a pesquisadora Dra. Ana Luzia Videira Parisotto, do campus da Unesp em Prudente, afirma que o estudo desenvolvido por Xavier, sobre o processo de mediação de leitura, tem grande relevância na discussão em relação à formação do professor leitor.

“Quem não lê de maneira crítica (ler para entender) tem sua participação na sociedade de forma restrita. Assim sendo, o estudo de Itamar joga uma luz nessa questão”, diz em relação ao conteúdo da pesquisa que uniu ampla e profunda bibliografia com a prática de quem realiza mediação de leitura. Para a pesquisadora Dra. Erika Porceli Alaniz, também vinculada à Unoeste, “é comum esse perfil de exclusão pelo qual passou o Itamar [Xavier], mas dar esse salto que você deu não é comum”.


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Pedagogo, pós-graduado em gestão educacional, agora mestre em educação e autor do livro autobiográfico “A Verdade que Liberta”, Xavier tem feito palestras em presídios e reiterado aos gestores do setor que o sistema prisional é meramente punitivo e sem condições de promover reabilitação. Em palestra na penitenciária de Martinópolis (SP) levou uma caixa com cerca de 400 matérias jornalísticas para mostrar que: “o meu caso é tão exceção que a mídia se interessa pela minha história”.


Xavier trabalha a arte do grafite com alunos ensino fundamental e recentemente recebeu a visita de seu ídolo Eduardo Cobra, em surpresa proporcionada por Luciano Huck durante matéria para seu programa na Globo. Juntos e com um grupo de crianças grafitaram parte do muro de uma escola municipal. Como resultado de sua arte exposta em rede nacional, Xavier tem sido convidado para, além de palestras, produzir grafite em escolas de diferentes regiões do país.



Fonte:  Assessoria de Imprensa da Unoeste

21 de fev. de 2018

Do lixo ao crime: a história de um ex-presidiário argentino que agora volta para a prisão, mas na condição de professor universitário.




























Um menino de 9 anos caminha apressadamente pelas ruas, com uma mão, empurra um carrinho sujo de bebê, mas dentro não há uma criança, apenas sacos de lixo. Aquele menino cresceu na pobreza dos lixões, alimentando-se de restos, pedindo dinheiro nas esquinas dos semáforos. 
O menino é o Argentino Waldemar Cubilla, hoje homem feito com 35 anos, ele relembra: 

"Subíamos na montanha do lixo para procurar sapatos, descartados de uma fábrica próxima. Eram calçados com defeitos, procuramos um par ou um pé parecido com outro, a gente costurava e calçava na hora. Depois juntávamos papéis, plásticos ou metais para vender, mas também salsichas... Ah, quando encontramos salsichas no lixo, fazíamos a festa, era alimento comemorado.” 

Quando a adolescência chegou, 
"alguns se tornaram especialistas em sobreviver na miséria, outros eram mais covardes e, assim, saímos para roubar. Eu tinha 15 anos quando comecei a sair com uma arma, e se você procurar uma explicação racional, você não possui. 
Eu só dizia para mim mesmo: não mereço viver assim, não quero estar mais na pobreza extrema”. 
Waldemar, no entanto, continuou a ir à escola. 

"Se eu soubesse que eu tinha que ir à escola tal hora, organizava o assalto de antemão para que eu não faltasse. Muitas vezes eu voltava para roubar e retornava para a escola. Se você abrisse minha mochila, encontraria suprimentos, livros e uma arma”. 

Nessa altura da vida, Waldemar já era o fornecedor armas e roubava, em média, três carros por dia. 

Aos 17 anos ele foi preso pela primeira vez e passou algum tempo em uma instituição para menores infratores, destino da maioria daqueles meninos criados no lixo. Em dezembro de 2001, no ápice da crise econômica, a pobreza que ameaçava o povo de "La Cárcova", ele voltou ao crime. Pouco tempo depois estaria preso na prisão de segurança máxima do General Alvear, faltava-lhe um ano para terminar o ensino médio. 

"Passei 4 anos numa cela sem fazer nada". Somente quando foi transferido para Sierra Chica, ele decidiu terminar seus estudos. Mas ele estava a 350 quilômetros de sua casa e não recebeu o certificado para provar que restava apenas o último ano do ensino médio: precisou fazer tudo novamente. Foi neste contexto que ele viu uma cena que o deixou tal como um menino na frente de uma loja de brinquedos: haviam prisioneiros com nível superior, foram eles que lhe emprestaram um livro de Sociologia e desenvolveram nele o gosto pela leitura. 

Aos 23 anos, quando ganhou a liberdade e retornou ao seu povoado, matriculou-se no campus de San Isidro da Universidade de Keneddy para estudar Direito. 

“Eu fiz dois anos de curso. Mas, era uma instituição privada e eu não conseguia pagar mais, então passei a cometer crimes novamente para continuar bancando a faculdade."

Waldemar, então, foi preso novamente, ainda que fosse um dos melhores alunos, com média geral de 8 em todas as disciplinas. De volta a prisão, a ironia fica por conta desta estar localizada justamente em meio aos dois mundos tão familiares de Waldemar: atrás dos muros, a Universidade e o lixão em que ele passou toda a sua infância. Ele relembra:

"Não pude ficar indiferente, ao observar pelas janelas da cela, de um lado os meninos brincando no lixão e no outro o campus universitário . Então enviei uma carta ao reitor da Universidade Nacional de San Martín, muito simples, e lhe disse que havia alguns prisioneiros na republica argentina e que eles tinham direito à Educação. 
E ele me ouviu, assim, em 2008, CUSAM nasceu , que é o projeto de “Universidade dentro da prisão”. 

E foi assim que Waldemar passou a cursar Sociologia, junto de outros prisioneiros e também agentes penitenciários. Em pouco passou a cuidar da Biblioteca Prisional: 

"Eu me tornei bibliotecário da prisão, a biblioteca era um lugar fundamental na minha vida", diz ele. Enquanto estava na prisão, Eros nasceu, seu primeiro filho, que deve seu nome ao que Waldemar sentiu quando leu o "Banquete" de Platão. Depois ele teve outro filho - "Jano", um nome que apareceu lendo "The look of Janus", um pensador alemão. Ainda na prisão, Wlademar formou-se em Sociologia com a nota mais alta dos alunos, inclusive dos colegas do campus universitário, pessoas que jamais estiverem numa prisão. Hoje Waldemar faz doutorado em Sociologia. 

A primeira coisa que ele fez, dois meses depois de ter recuperado a liberdade, foi montar uma biblioteca fora da prisão e definir uma meta: 

" Que nenhum de nós caia na armadilha do crime" . 

Ele fez tudo em parceria com Checho, um jovem que chegou à prisão enquanto Waldemar era bibliotecário do cárcere. 


"Ele chegou morto, à beira da morte, buscou na leitura dentro da biblioteca prisional e nos estudos uma inspiração para seguir vivendo. A biblioteca serve como reflexão sobre essas coisas".

A biblioteca do lixão foi montada em janeiro de 2012, depois de Waldemar ter passado 9 anos na prisão. Localizada na entrada da cidade, a biblioteca comunitária recebeu o nome de "La Carcova". DETALHE: a biblioteca foi é construída sob o lixo empilhado no local de sua infância, espaço em que muitos outros pequenos habitam, passando pelo mesmo dilema que ele viveu um dia. 


"A biblioteca tornou-se uma esperança, não é mais um espaço literário no meio do caminho, mas sim a esperança de quem deseja mudar sua vida por meio da Educação."


Waldemar lembra que um lema dos presos, ao ganharem a liberdade, consiste em não olhar para trás. Não por medo de se tornarem uma estátua de sal, mas não para retornar. Este ano, no entanto, ele olhará para trás e voltará para a prisão. Desta vez sem algemas ou sob custódia, mas na condição de "professor de Sociologia para os condenados na prisão . "

Fonte Original: infobae.com