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4 de mar. de 2017

Do Submundo do Crime à imortalidade dos livros – Luiz Alberto Mendes

Fato é que nosso sistema prisional Brasileiro já nasceu praticamente morto, ainda que seu propósito de recuperação esteja incluído como objetivo geral da Lei de Execução Penal. Mas são raros os casos em que os presos se apresentam preparados para a reinserção no mundo aqui fora e tão pouco no mercado de trabalho. Isso ocorre porque não há uma preparação para o regresso do apenado, ainda que esta esteja garantida por lei.

Segundo Michel Foucault (1993), “O essencial da pena não consiste em punir, o essencial é procurar corrigir e reeducar.” As palavras de Foucault já não encontram eco na realidade, na medida em que estamos nos afastando do propósito da pena, que é o da reeducação do apenado. Já Bonneville (1846), afirmava que: “A pena não deve ter unicamente uma função de exemplaridade, mas, sobretudo promover a correção e reinserção social dos criminosos.” É por meio da educação que se pode e deve preparar o indivíduo encarcerado para a liberdade, acarretando assim um índice menor de reincidência no crime.

Com base nos argumentos acima e acreditando que não há outro caminho no combate da criminalidade senão a Educação, resolvi, há alguns anos atrás, montar uma Biblioteca no Cárcere. A ideia nasceu, quando ainda no mundo das artes me chamaram para ajudar numa festividade da Penitenciária local aqui de minha cidade. E lá descobri que aquela instituição penal não contemplava um espaço para os livros. Aliás, foi assim que fui parar na Biblioteconomia.

Escrevi um projeto que tinha como proposta a implantação de uma biblioteca naquele espaço prisional. Mas como convencer, com exemplo, de que os livros poderiam de fato somar e até alterar rotinas intramuros? Eu precisava de algum elemento que já tivesse dado certo, que de fato pudesse fazer as pessoas acreditarem na minha iniciativa, afinal, apenas citações de pesquisadores me eram rasas enquanto aplicabilidade. Eu sabia que a empreitada seria árdua e que eu seria questionada sobre isso, mas não desisti e segui em frente. Os livros são ponte para a Educação e até alento para o espirito de quem está atrás das grades. 

Foi ai que tomei ciência, depois de muito pesquisar, sobre a história de vida de Luiz Alberto Mendes e busquei inspiração em sua trajetória de vida e no milagre que os livros fizeram com ele. O Luiz é um exemplo vivo do quanto à leitura pode resgatar a autoestima do encarcerado, independente de qual seja seu delito. “Memórias de um Sobrevivente” (2001), A obra, escrita por ele próprio, relata o seu caminho pelo mundo do crime. Ex-presidiário que foi condenado a mais de cem anos de prisão por assalto à mão armada e homicídio. Cumpriu 31 anos e 10 meses de prisão, aprendeu a ler e escrever na cadeia, tendo encontrado na literatura o refúgio para vencer as barreiras do cotidiano prisional. Além de passar no vestibular, conquistou a liberdade há poucos anos. Atualmente é escritor e já publicou seis livros, além de palestrante e colunista.

A narrativa de Mendes se dá após um período de nove meses de confinamento na cela-forte (solitária) da Penitenciária Estadual do Estado de São Paulo, onde Luiz Alberto Mendes entra em contato com a literatura através de um amigo que por meio do encanamento do esgoto lhe passava a leitura de vários livros. Essa imersão no universo literário foi uma das principais razões que provocou uma mudança de paradigma na vida dele, ou seja, ele passou há dedicar seu tempo e esforços em prol da literatura, o que certamente auxilia outros presos a seguirem seu caminho. Foi à literatura a grande responsável pelo seu processo de emancipação e, consequentemente, pela formação da sua nova identidade que, mais uma vez, deu-se pelo ato da diferenciação, pois:

A partir dos romances, comecei a me interessar por livros mais profundos. As relações criminosas já não me satisfaziam mais. Pouco tinha a me acrescentar. [...] O submundo do crime começou a me parecer estreito, limitado, e eu já não cabia mais só ali. Voava alto, conhecera novos costumes, novos países, novas relações com a vida. ( MENDES, 2001, p.445)

O exemplo de Luiz Alberto Mendes ilustra o quanto a literatura é capaz de alavancar a autoestima dos encarcerados e devolver-lhes os sonhos até então enclausurados tanto quanto o detento. Com a leitura, homens e mulheres a quem foi imposta uma medida restritiva de liberdade provam ser, sobretudo indivíduos que permanecem com suas potencialidades intelectuais.

Mendes comprovou que, por meio da educação literária, o apenado encontra o combustível necessário para que sua identidade seja salvaguardada e passa a nutrir o alento de que mudar é possível e os livros podem e devem ser o caminho que o levará de volta para a liberdade. O conhecimento pode tornar-se uma diretriz para seguir sem que o estigma de ser um ex-detento lhe seja um fardo tão pesado que o faça sucumbir ao delito novamente.

Recentemente (2015), Mendes publicou mais um livro: "Confissões de um Homem Livre", lançado pela Companhia das Letras, encerra a sua trilogia de 2001, seguida de "Às cegas" em 2005. Assim como nos outros livros – em que narrou suas primeiras passagens pelas prisões e a experiência que o levou até à escrita -, o seu relato do mundo do crime é um dos poucos que não doura a pílula. O discurso é seco, nervoso e direto. Sua honestidade, desconcertante. E são essas qualidades que aparecem de modo mais contundente nesta história sobre os anos que antecederam a sua liberdade.

Até hoje faço questão de ressaltar o quanto fui e sou grata a Mendes por servir de exemplo para que a Biblioteca no Cárcere se tornasse realidade, concretizei o meu sonho e ainda inspirada por ele, consegui transformar apenados em autores. Presos que até então jamais haviam lido um só livro na vida e que pós a biblioteca foram da prisão à imortalidade dos livros, de leitores para autores, tal como ele próprio.

Quer saber mais sobre o Luiz Mendes? Leia aqui, seus artigos são imperdíveis.

P.S. Tempos depois de escrever sobre ele no projeto, eu o encontrei numa Rede Social e quase não acreditei quando começamos a conversar, literalmente trocar figurinhas. Ao finalizar meu texto, fui até ele pedir autorização para publicar e eis que recebo mais noticias boas:

Com toda certeza e ainda assino em baixo. Vai fundo, o quanto servir é o máximo para mim. Que minha existência seja importante para as pessoas, é o meu esforço.Vou ganhar o Prêmio “Trip Transformadores” pela minha luta pessoal e pelo meu trabalho nas prisões. Estou com um projeto que eu e meu parceiro já aplicamos o piloto e deu super certo, no CR de Limeira (Centro de Ressocialização), agora começaremos a ensinar um grupo de estagiárias de psicologia a multiplicar o projeto para toda a unidade prisional, e vamos para outras prisões. O projeto tem 20 módulos e elenca 37 assuntos que eu e o parceiro (Maurício que é psicólogo e coaching) consideramos essenciais para debate e discussão com os homens aprisionados. Ao final eles ficam voando baixo, empoderados críticos e autocríticos, filosofando. Tenho orgulho desse projeto, foram 12 anos aqui fora batalhando e finalmente consegui. (MENDES, 2016)

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