Um menino de 9 anos caminha apressadamente pelas ruas, com uma mão, empurra um carrinho sujo de bebê, mas dentro não há uma criança, apenas sacos de lixo. Aquele menino cresceu na pobreza dos lixões, alimentando-se de restos, pedindo dinheiro nas esquinas dos semáforos. O menino é o Argentino Waldemar Cubilla, hoje homem feito com 35 anos, ele relembra:
"Subíamos na montanha do lixo para procurar sapatos, descartados de uma fábrica próxima. Eram calçados com defeitos, procuramos um par ou um pé parecido com outro, a gente costurava e calçava na hora. Depois juntávamos papéis, plásticos ou metais para vender, mas também salsichas... Ah, quando encontramos salsichas no lixo, fazíamos a festa, era alimento comemorado.”
Quando a adolescência chegou,
"alguns se tornaram especialistas em sobreviver na miséria, outros eram mais covardes e, assim, saímos para roubar. Eu tinha 15 anos quando comecei a sair com uma arma, e se você procurar uma explicação racional, você não possui.
Eu só dizia para mim mesmo: não mereço viver assim, não quero estar mais na pobreza extrema”.
Waldemar, no entanto, continuou a ir à escola.
"Se eu soubesse que eu tinha que ir à escola tal hora, organizava o assalto de antemão para que eu não faltasse. Muitas vezes eu voltava para roubar e retornava para a escola. Se você abrisse minha mochila, encontraria suprimentos, livros e uma arma”.
Nessa altura da vida, Waldemar já era o fornecedor armas e roubava, em média, três carros por dia.
Aos 17 anos ele foi preso pela primeira vez e passou algum tempo em uma instituição para menores infratores, destino da maioria daqueles meninos criados no lixo. Em dezembro de 2001, no ápice da crise econômica, a pobreza que ameaçava o povo de "La Cárcova", ele voltou ao crime. Pouco tempo depois estaria preso na prisão de segurança máxima do General Alvear, faltava-lhe um ano para terminar o ensino médio.
"Passei 4 anos numa cela sem fazer nada". Somente quando foi transferido para Sierra Chica, ele decidiu terminar seus estudos. Mas ele estava a 350 quilômetros de sua casa e não recebeu o certificado para provar que restava apenas o último ano do ensino médio: precisou fazer tudo novamente. Foi neste contexto que ele viu uma cena que o deixou tal como um menino na frente de uma loja de brinquedos: haviam prisioneiros com nível superior, foram eles que lhe emprestaram um livro de Sociologia e desenvolveram nele o gosto pela leitura.
Aos 23 anos, quando ganhou a liberdade e retornou ao seu povoado, matriculou-se no campus de San Isidro da Universidade de Keneddy para estudar Direito.
“Eu fiz dois anos de curso. Mas, era uma instituição privada e eu não conseguia pagar mais, então passei a cometer crimes novamente para continuar bancando a faculdade."
Waldemar, então, foi preso novamente, ainda que fosse um dos melhores alunos, com média geral de 8 em todas as disciplinas. De volta a prisão, a ironia fica por conta desta estar localizada justamente em meio aos dois mundos tão familiares de Waldemar: atrás dos muros, a Universidade e o lixão em que ele passou toda a sua infância. Ele relembra:
"Não pude ficar indiferente, ao observar pelas janelas da cela, de um lado os meninos brincando no lixão e no outro o campus universitário . Então enviei uma carta ao reitor da Universidade Nacional de San Martín, muito simples, e lhe disse que havia alguns prisioneiros na republica argentina e que eles tinham direito à Educação.
E ele me ouviu, assim, em 2008, CUSAM nasceu , que é o projeto de “Universidade dentro da prisão”.
E foi assim que Waldemar passou a cursar Sociologia, junto de outros prisioneiros e também agentes penitenciários. Em pouco passou a cuidar da Biblioteca Prisional:
"Eu me tornei bibliotecário da prisão, a biblioteca era um lugar fundamental na minha vida", diz ele. Enquanto estava na prisão, Eros nasceu, seu primeiro filho, que deve seu nome ao que Waldemar sentiu quando leu o "Banquete" de Platão. Depois ele teve outro filho - "Jano", um nome que apareceu lendo "The look of Janus", um pensador alemão. Ainda na prisão, Wlademar formou-se em Sociologia com a nota mais alta dos alunos, inclusive dos colegas do campus universitário, pessoas que jamais estiverem numa prisão. Hoje Waldemar faz doutorado em Sociologia.
A primeira coisa que ele fez, dois meses depois de ter recuperado a liberdade, foi montar uma biblioteca fora da prisão e definir uma meta:
" Que nenhum de nós caia na armadilha do crime" .
Ele fez tudo em parceria com Checho, um jovem que chegou à prisão enquanto Waldemar era bibliotecário do cárcere.
"Ele chegou morto, à beira da morte, buscou na leitura dentro da biblioteca prisional e nos estudos uma inspiração para seguir vivendo. A biblioteca serve como reflexão sobre essas coisas".
A biblioteca do lixão foi montada em janeiro de 2012, depois de Waldemar ter passado 9 anos na prisão. Localizada na entrada da cidade, a biblioteca comunitária recebeu o nome de "La Carcova". DETALHE: a biblioteca foi é construída sob o lixo empilhado no local de sua infância, espaço em que muitos outros pequenos habitam, passando pelo mesmo dilema que ele viveu um dia.
"A biblioteca tornou-se uma esperança, não é mais um espaço literário no meio do caminho, mas sim a esperança de quem deseja mudar sua vida por meio da Educação."
Waldemar lembra que um lema dos presos, ao ganharem a liberdade, consiste em não olhar para trás. Não por medo de se tornarem uma estátua de sal, mas não para retornar. Este ano, no entanto, ele olhará para trás e voltará para a prisão. Desta vez sem algemas ou sob custódia, mas na condição de "professor de Sociologia para os condenados na prisão . "
Fonte Original: infobae.com
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