Na condição de Presidente da
Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais (CBBP), fui convidada a ministrar palestra dentro das comemorações de 10 anos do Centro Acadêmico de Biblioteconomia e Documentação da Universidade Federal do Sergipe. A Febab, que faz o "Advocacy da Agenda 2030" no Brasil, oportunizou minha ida para Aracaju e, assim, realizamos também um #EsquentaCBBD2019.
O evento foi realizado no auditório da Biblioteca Central (BICEN), contando com a presença de alunos, professores, bibliotecários e Associação de Bibliotecários do Sergipe. Além de discorrer sobre minha experiência em Biblioteconomia Social, a ocasião serviu para explanar sobre a importância do movimento associativo para implementação da "Agenda 2030", cuja a premissa consiste em "não deixar ninguém para trás".
Na ocasião, também estive visitando o Presídio Feminino de Sergipe (PREFEM) na intenção de conhecer a Biblioteca Prisional que foi implantada na referida instituição a partir de uma ação em conjunto da bibliotecária Rachel Gonçalves sob a supervisão de sua orientadora do Mestrado, Germana Gonçalves De Araújo. A iniciativa nasceu, justamente, pós uma ação do Curso de Biblioteconomia, ao oportunizar uma videoconferência sobre Biblioteca Prisional, ano passado.
O PREFEM tem capacidade para 175 detentas, porém abriga 240, cada qual com suas histórias, sonhos e esperanças. Mas nos caminhos da rotina intramuros do cárcere, do presídio feminino, está a UFS com sua graduação – Biblioteconomia – e pós-graduação – Gestão da Informação e do Conhecimento.
A UNIVERSIDADE
Fiquei maravilhada com a ação da Universidade dentro da instituição penal, bem como com a excelência do ensino, pesquisa e extensão da UFS, além de suas pós-graduações. Vale ressaltar que a universidade nunca esteve envolvida em “caixa dois” e é responsável por pesquisas na prevenção e tratamento de doenças como a chikungunya e zika vírus, bem como o atendimento de saúde integral de crianças portadoras de microcefalia são realizados em nossos hospitais universitários. A UFS é a única instituição de ensino do estado que conta com dois hospitais universitários, os quais atendem exclusivamente por meio do SUS.
VISITA E INTERAÇÃO COM AS PRESAS
Emoção, não há outra palavra para descrever a manhã que passei com as mulheres encarceradas. As lágrimas insistiram em cair, mas tomadas pela comoção de ouvir e contar histórias de vida tão peculiares, tanto minha quanto delas. Infelizmente, no Brasil, de cada 10 mulheres presas, apenas uma recebe a visita de seu companheiro e a maioria acaba indo parar atrás das grades justamente por serem aliciadas por eles em seus crimes, geralmente o tráfico de drogas.
"Você vai querer ser lembrado como um grande revolucionário do seu tempo ou deseja ser apenas mais um na multidão?" (C.DC, reclusa)
O LOCAL
Chamou-me atenção o aspecto do espaço prisional: limpo, arejado, com arte de grafite pelas paredes e muros, aliás, mais uma ação de alunos do curso de Artes da UFS. Considerando os tantos estabelecimentos penais, aos quais já visitei, posso lhes dizer que, embora o cárcere nunca seja aprazível, por lá encontrei dignidade, respeito e, acima de tudo, o cumprimento da premissa “reeducar” para com as apenadas.
Registro o meu muito obrigada a direção da unidade prisional, na pessoa da Andréa Andrade, por nos receber e pelo lindo trabalho que realiza com as internas, acreditando que somente a Educação, de fato e verdade, é capaz de combater a criminalidade.
BIBLIOTECA PRISIONAL
Embora sendo rogadas como presença obrigatória no cárcere (LEP 7.210 de 1984), as Bibliotecas Prisionais ainda beiram a margem do descaso, tomadas como mero assistencialismo e sem a execução legal que lhes legitima. No estado do Sergipe, dos 8 estabelecimentos penais, apenas 4 são dotados de biblioteca.
No PREFEM, a Biblioteca Prisional funciona atendendo todas as reclusas, sob os cuidados de uma delas, C.D.C, e na responsabilidade da Bibliotecária Raquel, discente de Mestrado, e alunos do curso de Biblioteconomia da UFS. Não existe fomento governamental dentro da ação, todo o trabalho do grupo universitário é feito de modo voluntário e até os gastos de locomoção para chegar até o presídio é por conta dos mesmos. Eis a essência da Biblioteconomia Social: doação em prol do livro e da leitura.
CBBD & PRIMEIRO FÓRUM BRASILEIRO DE BIBLIOTECAS PRISIONAIS
Este ano teremos, de modo inédito no Brasil e na América Latina, o “Primeiro Fórum Brasileiro de Bibliotecas Prisionais”, uma realização da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários (FEBAB), dentro do “
Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD). O tema do evento será “Desigualdade e Democracia: qual é o papel das bibliotecas?”. A CBBP abordará, dentro do Fórum, um debate reflexivo, parafraseando o tema do CBBD: “Punir e Reeducar: qual é o papel das Bibliotecas Prisionais?.”
A CARTA
Recebi de uma interna uma carta
que muito deixou-me comovida, não apenas pelo gesto, mas por suas palavras,
dentro de um recomeçar querendo fazer a diferença, buscando nos livros as novas
oportunidades e fazendo da Biblioteca Prisional o seu laboratório de sonhos
para uma vida extramuros do cárcere.
Encerro minha passagem pelo
Sergipe com os meus mais sinceros agradecimentos a UFS, não apenas por seu
acolhimento e receptividade, mas principalmente pelo zelo com que trata a
formação e capacitação de seus alunos, primando acima de tudo pelo “humanismo”
e envergadura social na luta por um país mais justo e digno de seus
brasileiros.