Para os jovens de hoje, Dom Paulo Evaristo Arns
foi delineado nos textos baratos da Direita repulsiva como sendo o principal
inspirador da política de direitos humanos “que só protege os bandidos”. No
entanto, já aqueles que buscam ler a verdadeira e triste biografia da Ditadura
de nosso país e que de fato sabem o significado dos Direitos Humanos, Dom
Paulo foi um homem imprescindível dentro do que fez neste Brasil de ganância
exacerbada e da competição insana. Seu exemplo deve inclusive servir como
antídoto para ser ministrado nestes tristes tempos que vivemos, dentro de um
país que cada vez mais retrocede aos dias negros da história.
A atuação
pastoral de Dom Paulo Evaristo Arns foi voltada aos habitantes da periferia,
aos trabalhadores, à formação de comunidades eclesiais de base (CEB) nos
bairros, principalmente os mais pobres, ao cárcere, em especial o Carandiru e à
defesa e promoção dos direitos da pessoa humana.
Filho do colono Gabriel Arns, muito humilde da
região de Criciúma, antiga colônia de imigrantes alemães em Santa Catarina, Dom
Evaristo entrou para o seminário Franciscano. Muito anos depois, quando
concluía os estudos na Sorbonne com uma tese sobre a técnica do livro segundo
São Jerônimo, o frade mandou um telegrama para seu pai, que lhe disse antes de
sair do Brasil, a seguinte frase: “Paulo, nunca se envergonhe de dizer que você
é filho de colono”. Ele então respondeu ao pai: “O filho do colono é doutor
pela Universidade de Paris e não se esqueceu da recomendação do pai”.
DITADURA -
30 de outubro de 1979: Lá estava o corpo do operário Santo Dias da Silva – cujo
desaparecimento só não aconteceu porque sua mulher, Ana Dias, entrou à força no
carro dos policiais que o transportaram. Depois de discutir com a PM para que
libertasse os militantes presos por organizar uma greve não apoiada pelo
sindicato, o metalúrgico foi baleado nas costas diante de uma fábrica na zona
sul paulistana.
“Dom Paulo saiu de casa com todos os trajes episcopais e chegou
dizendo: ‘Abram a porta. É o arcebispo de São Paulo’. Foi aonde estava o corpo
e pôs o dedo na bala, indicando o ferimento feito por um policial”. O operário só não “desapareceu” porque Paulo
Evaristo Arns abriu caminho para que seu corpo pudesse ser sepultado.
Dom
Paulo lutou bravamente contra a ditadura, ele, por exemplo, jamais acreditou na
versão de que o jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, houvesse cometido suicídio
na cela em que estava detido, no DOI-Codi, outro aparelho da ditadura. Comandou então, na Catedral da Sé, um ato
ecumênico que entraria para a história da luta pela democracia e o fim da
ditadura no Brasil, missa de sétimo dia da morte de Vlado.
MORADORES
DE RUA – Em 1973, alguns anos depois de se tornar arcebispo de São Paulo, Dom
Evaristo tomou uma atitude que até hoje soa como surpreendente no meio
católico. Ele simplesmente vendeu por US$ 5 milhões o Palácio Episcopal Pio 12,
um imponente imóvel usado como residência oficial da autoridade católica e
mudou-se para uma casa simples no bairro do Sumaré. Mais radical ainda, ele com
o dinheiro arrecadado com a venda do imóvel, determinou a construção de 1.200
centros comunitários na periferia de São Paulo, abrigando assim várias famílias
sem moradia e também construindo lá ambientes informais para reuniões das
paróquias locais.
Eram barracos de madeira, a maioria construída em mutirão,
que os próprios morados incentivados por ele fizeram e assim também organizaram
creches, escolas, transporte e postos de saúde, dentre tantas outras coisas.
Tempos
depois, junto da Pastoral do Povo da Rua, ocorreu um episódio em que um grupo
de moradores de rua estava na iminência de passar mais uma noite fria do
inverno paulistano debaixo de um viaduto. A Prefeitura de São Paulo, então
administrada por Paulo Maluf, havia fechado um abrigo e, naquela noite, dom
Paulo disse que dormiria no local enquanto não fosse reaberto. Imagine só, o arcebispo
embaixo de um viaduto, Maluf então ordenou que fossem tomadas providências para
abrigar a população de rua.
PAULO
FREIRE - "Quanto ao Paulo Freire, eu fui a Genebra para convencê-lo a
voltar ao Brasil, depois de 10 anos de exílio. Garanti que eu iria cuidar da
chegada dele aqui.
E mandei toda a nossa Comissão de Justiça e Paz, que eram
mais de 40 pessoas, junto com amigos, para recebê-lo em Campinas. De fato a
polícia o prendeu, mas, depois de duas horas de interrogatório, eles viram que
todos estavam contra eles e soltaram o Paulo Freire, que ficou conosco, com uma
grande amizade comigo, até o momento da sua partida”. (Dom Paulo Evaristo Arns)
CARANDIRU
- Dom Evaristo Arns percorreu por
muitos anos Casa de Detenção de São Paulo, então o maior complexo penitenciário
da América Latina com 7.500 presos (mais que o dobro da sua capacidade). Lá ele
ouvia os apenados, realizava missas e projetos sociais com os presos.
Pós o
massacre, ele considerou os fatos trágicos e únicos na História do país. Junto
com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), formou uma comissão para
investigar a chacina dos presos.
Como
reconhecimento por sua obra humanitária, Dom Paulo recebeu vários prêmios no
Brasil e no exterior, como o Prêmio Nansen do Alto Comissariado da ONU para
Refugiados (Acnur), o Prêmio Niwano da Paz (Japão), e o Prêmio Internacional
Letelier-Moffitt de Direitos Humanos (EUA).
Criou também a Comissão de Justiça
e Paz de São Paulo e foi o grande artífice do projeto Brasil: Nunca Mais (livro sobre as violações de direitos humanos
durante o regime militar), integrando também o movimento Tortura Nunca Mais, dele decorrente. Acesse aqui para ler a obra digital.
Em
outubro de 2012, o jornalista Ricardo Carvalho lançou a biografia “O cardeal da resistência – As muitas vidas
de dom Paulo Evaristo Arns”.
Uma
de suas últimas menções, já na UTI – Unidade de Terapia Intensiva -, foi: “Confiança,
vamos avante. De esperança em esperança. Na esperança sempre. A gente pode desanimar
sofrer, esmorecer, mas desistir jamais. A esperança não é o ópio do povo, mas o
motor que modifica o mundo.”
Perdemos hoje mais do que um emérito arcebispo, em verdade se foi um bravo militante dos Direitos Humanos, um homem que lutou contra a Ditadura, acolheu os pobres e levou consolo e esperança aos presos. Fica o seu legado e a esperança que ele tanto nos ensinou à nunca perder. Infelizmente, dentro da nossa lamentável contemporaneidade Brasileira, é tudo de que mais necessitamos: Esperança de que o Brasil possa sair desta crise que nos assola, esperança de que o golpe caia por terra e que não venhamos a retroceder mais do que já estamos... Esperança de não precisar voltar a lutar dentro da Ditadura que Dom Evaristo tanto combateu. Vá em paz Paulo, na paz que tanto desejou à humanidade, e nos céus da paz olhai e rogai por nós.
Fonte:
Memórias
da Ditadura
Pastoral
de Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo
Instituto Dom Paulo (http://www.dompaulo.org.br/)