Você está aqui

5 de jan. de 2017

Do Cárcere à Universidade: a história de um egresso do sistema penal


Faço parte do 1% que aprendeu o certo dentro do errado.
Paulo Fernando 

Fizemos uma entrevista exclusiva com Paulo Fernando, egresso do sistema penal, que ainda no cárcere leu inúmeros livros e buscou na Educação o caminho de volta na sua vida extramuros do cárcere. 


Mas quem, pós sair do cárcere, com a vida estabilizada, formando-se na universidade e dono do próprio negócio, seria capaz de dar, literalmente, a cara à tapa e se expor assim? Afinal, sabemos do preconceito que existe na sociedade para com ex-presidiários, por mais que os apenados quitem seu débito junto da justiça, é como se eles estivessem numa divida terna junto da sociedade, que os julga dentro de uma sentença eterna, como se tivessem um “X” na testa para o resto de suas vidas. Diante disso, tomamos o cuidado de oferecer ao Paulo o anonimato, omitindo seu verdadeiro nome... Mas ele não aceitou, alegou estar cansado do julgamento alheio, desejou que sua história fosse exposta para então, quem sabe, servir de exemplo para os que desejam seguir novos caminhos, provar que é possível ocupar o tempo ocioso da prisão com livros e estudos, fazendo da biblioteca um espaço que pode oferecer o maior empoderamento que um individuo é capaz de ter: a informação. 

E foi isso que Paulo fez, tomou a leitura como trilha para “sobreviver” atrás das grades - como ele mesmo afirmou, e depois para voltar ao convívio da sociedade, já na liberdade conquistada. 

"Estive preso por 10 anos sem por meus pés na grama ou no mar, hoje tenho 3 empresas, alguns funcionários, e acabei de me formar no curso de Administração. Fiz o ensino médio duas vezes dentro da prisão, fiz todos os cursos que me foram oferecidos e li algumas centenas de livros, pena que o sistema não tem interesse em criar bibliotecas e reintegrar na sociedade homens que produzam. O sistema rouba até dos detentos que trabalham nas valas."

Para inserir os livros nas prisões, não precisamos de novas Leis, mas sim que se façam cumprir aquelas que já existem, exemplo da Lei de Execuções Penais - LEP, Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. Nela roga como obrigatório que todo e qualquer estabelecimento penal deve ser dotado de biblioteca. Nos estabelecimentos penais - penitenciárias, a lei não só pode como deve ser aplicada.
Porém, o mais triste e consternador é que muitos Conselhos Regionais de Biblioteconomia – CRB, sequer tem ciência desta legalidade e tão pouco fiscalizam para ver se há as unidades de informação no mundo intramuros. Bibliotecário? Nem pensar... A Superintendência de Serviços Penitenciários sequer agracia em seus editais a função de bibliotecário... Mas se em tese tem/deveria ter biblioteca, então a mesma precisa ter o profissional da informação. Pasme, mas o sistema consegue "burlar" a lei... Insano não? 

Mas, tal como o nosso entrevistado colocou sobre o “sistema”: 

"Sistema corrupto, falta de comida e leite. Preparação para a vida que eu não tive. Assim como a maioria da população! Vi homens chorando, vi jovens presos porque, em uma discussão de colégio, eles levaram um pé de tênis por picuinha. Jovens que foram condenados a mais de 5 anos de prisão e foram jogados naquele inferno. Vivi muita coisa. Briguei com Deus e pedi pra morrer e me arrependi e voltei mais forte. Fui líder de pavilhão por 6 anos. Tirei jovens que consumiam crack do vício. Abracei mães que choravam pedindo minha ajuda. Não tenho vergonha de mostrar minha face. Faço parte do 1% que aprendeu o certo dentro do errado."

Temos atrás das grades indivíduos presos pagando por seus delitos e o sistema cometendo delitos, afinal, fazem o uso da nomenclatura "espaço de leitura" para fugir da discussão que envolve a ausência de bibliotecários, aliás, normal até mesmo nas unidades de ensino escolares. 

Já passou da hora de lutarmos para que esta Lei seja verdadeiramente colocada em prática. Livros e leitura para os apenados não é assistencialismo, benevolência, mas um direito legal que lhes cabe. O exemplo do Paulo contextualiza toda a nossa falácia sobre a importância da leitura dentro das instituições penais. Não é utopia, mas realidade. Bibliotecas não são fábricas de milagres, os livros não possuem poder mágico, mas o livro e a leitura são ferramentas capazes de alterar rotinas e modificar vidas. Nosso entrevistado provou isso. Não há outro caminho no combate da criminalidade senão os caminhos da educação e os livros são ponte para isso. 

Confiram a nossa entrevista na integra, acesse “Do Cárcere à Universidade”:



0 comentários:

Postar um comentário