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6 de jan. de 2017

“A prisão é um fracasso”, afirma o especialista mundial em Educação nas prisões, Marc De Maeyer


Marc De Maeyer, Belga, especialista mundial em Educação nas prisões, já visitou mais de cem presídios em 80 países, atuou como especialista do Instituto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, para Educação ao longo em Hamburgo, e como consultor técnico em Pesquisa Aplicada para Educação em Contextos Prisionais, no Canadá. 

Marc discorre sobre a realidade dos cárceres no Brasil e afirma: “A prisão é um fracasso”. E ele detalha: 

“Não um fracasso unicamente para os indivíduos, mas também para a sociedade, que não imagina outra coisa, a não ser o encarceramento, para punir uma pessoa delinquente. Isso acontece porque a sociedade se sente segura com a prisão dos indivíduos considerados perigosos. Ao mesmo tempo, são somente os pobres que estão presos, não pelo fato de serem mais perigosos, mas porque a prisão é uma consequência da pobreza, da ausência de recursos e de educação. E cabe ao Estado combinar os anseios da opinião pública com o fato de a Educação ser, em nome da democracia, um direito de todas as pessoas”.

De Maeyer também apontou que é preciso Educar não só os presos, mas também seus familiares e os agentes penitenciários. 

“Em algumas prisões, há somente cinco classes para mil presos. É muito pouco. Por conta disso, a Educação na cadeia é apenas para uma elite ou para os que têm grande motivação. É preciso ainda motivar aquele que teve uma história negativa de escolarização. Creio que todo trabalho consiste em definir um processo que motive os presos a se educarem, para que possam definir sua própria demanda por Educação. É um processo difícil para quem está fora da cadeia e ainda mais difícil na prisão”.


Ainda na avaliação de De Maeyerm, os projetos de Educação nas prisões com maior sucesso são os que se referem à Educação não formal, envolvendo teatro, cinema ou pintura.

“O processo de dedicação ao projeto é mais importante do que o resultado final, assim como a consciência do que está sendo realizado é mais importante que a avaliação de um educador. Os principais problemas são a falta de continuidade de estudo, ausência de lugares e falta de recursos, bem como as constantes transferências dos presos que interferem tanto na continuidade como na perda da motivação para estudar”.

A educação no cárcere não é uma condição para prevenir a criminalidade, alertou o pesquisador. "A Educação é um instrumento para escolhas, para as pessoas poderem mudar suas atitudes", acrescentou. 

Atualmente, a Unesco trabalha com a possibilidade de implementar a Educação dentro das prisões, não apenas dentro do processo de ensinar o preso a ler e a escrever, mas de levar a Educação para o cotidiano dele no seu retorno à liberdade. 

Segundo Maeyer, a  Educação ajuda o detento a identificar e hierarquizar as aprendizagens para lhes dar um sentido: para que elas possam lhe oferecer possibilidades de escolha com conhecimento de causa; para que a faculdade de escolher reencontre seu campo de ação, a saber, o eu-aprisionado mas aprisionado por um certo tempo apenas. Não se trata, então, para o educador, de começar por emitir um julgamento sobre os adquiridos do detento – o juiz colocado à frente do educador emitiu seu veredito. Está na ordem das coisas. O educador não tem que repetir, amplificar, relativizar ou mesmo comentar o julgamento da justiça. O detento não chega do nada na prisão e nos cursos. Ele possui uma experiência compartilhada com outros detentos com os quais tem um universo de exclusão comum. 

A família deve ser educada juntamente com o preso, porque sabemos que uma grande parcela dos filhos oriundos dessas famílias instáveis acaba encarcerada, pois há um maior risco de termos um preso de segunda geração, ou seja, aquela que teve o pai preso. Isto porque a prisão do pai vai provocar o fracasso dessa família, bem como o fracasso escolar de seus filhos. É preciso desenvolver projetos que permitam aos pais presos conservar sua função educativa que deve acontecer nas visitas familiares. Essa função pode ser exercida nas bibliotecas existentes nos presídios, um espaço que é igual em qualquer lugar do mundo. Todos os outros espaços dentro da prisão são diferentes dos encontrados no exterior. Além disso, o ambiente pode ajudar, por causa dos livros. Com isso, os pais na prisão podem conservar seu papel de educador.

O pesquisador da UNESCO lembrou que também cabe à sociedade pensar e ajudar a inserir novamente essas pessoas. E lamentou a falta de informações exatas sobre a realidade nas prisões. "Dos formulários enviados para vários países na tentativa de mapear e destacar as principais dificuldades na área de Educação, recebemos apenas 80 respostas", informou De Maeyer. 

FONTE: Entrevista concedida à jornalista Regina Scomparin, da revista AlfaSol.

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